quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

ALERTA: Fugitivos podem se reorganizar e voltar a atacar bancos


Os bastidores da ação que durou 31 horas e envolveu a cúpula da Segurança Pública

Baseada em um alerta da Polícia Federal, a BM preparou uma operação para prender quadrilha
 
Os bastidores da ação que durou 31 horas e envolveu a cúpula da Segurança Pública  Caco Konzen/Especial

Policiais militares fazem buscas por bandidos que continuam foragidos
Foto: Caco Konzen / Especial


Bandidos costumam atacar de tocaia, deixando vítimas sem reação. Mas em Cotiporã, domingo, o fator surpresa jogou contra eles.
Ciente de que criminosos preferem agir em períodos de feriadão e baseada em um alerta da Polícia Federal (PF), a Brigada Militar prepara uma silenciosa operação com cerca de 100 homens para prender a mais violenta quadrilha gaúcha que assalta com uso de explosivos.
A ofensiva começa a ser desenhada às 19h de sexta-feira, 31 horas antes do ataque à fábrica de joias Guindani, em Cotiporã, na Serra. A favor da BM, além do informe da PF (que incluía diálogos gravados dos bandidos), o fato de conhecer a quadrilha e monitorar alvos na região, castigada pelos bandos que dinamitam bancos e caixas eletrônicos.
Há cinco meses, semanalmente, um grupo de PMs do Batalhão de Operações Especiais (BOE) de Porto Alegre, a tropa de elite da BM, sobe a Serra para se reunir com colegas da região, levantando informações na tentativa de identificar e capturar assaltantes.
Em 9 de agosto, em Caxias do Sul, PMs depararam com a mesma quadrilha que atacou Cotiporã. No confronto, morre Juliano Justino da Rosa, o Julianinho, 32 anos. Naquele dia, porém, escapa do cerco o parceiro de Julianinho, Elisandro Rodrigo Falcão, 31 anos, que seria morto na madrugada de domingo.
Desde a morte de Julianinho, Falcão e seus comparsas teriam atacado cinco vezes — quatro bancos e uma praça de pedágio, entre agosto e outubro.
Diferentemente de operações anteriores, a de Cotiporã tem um componente decisivo: a colaboração da PF, que investiga a quadrilha.
— A gente já tinha suspeitas, e o informe da PF reforçou nossa convicção. A dúvida era saber qual cidade da Serra — afirma o coronel Altair de Freitas Cunha, subcomandante-geral da BM.
A brigada está preparada para atuar em três frentes: no Litoral (os caixas eletrônicos estão com mais dinheiro), em praças de pedágios (em razão da intensa movimentação) e na Serra (recordista em ataques a bancos).
Com o informe da PF, um alerta vermelho é lançado para todos os quartéis da Serra e dos arredores — inclusive para o serviço de Inteligência da Polícia Civil. A escala de serviço é reforçada.
Às 17h de sábado, na base de operações da Operação Golfinho, em Tramandaí, o coronel Altair e o comandante da BM, coronel Sérgio Abreu, chamam oficiais do Comando Rodoviário e da Agência Central de Inteligência e do BOE. Fica acertado a ida para a Serra do maior número possível de PMs. São destacados os policiais mais bem preparados, ampliada a carga horária e canceladas as folgas.
O secretário da Segurança Pública, Airton Michels, é avisado. Ele passaria a noite em claro, recebendo informações do avanço da operação.
Cerca de 60 homens do BOE da Capital chegam às 22h de sábado em Caxias. Seguem o mesmo rumo 13 PMs do Grupo de Ações Táticas Especiais, o Gate. PMs dos pelotões especiais da região são convocados, às pressas. Soldados do BOE lotados em Passo Fundo, no Planalto, patrulham o norte da Serra. Armas de guerra, como fuzis e submetralhadoras, são preparadas para o uso. O cerco está montado.
Alguns PMs, em trajes discretos e viaturas sem logotipo, partem para cidades da região.
— Onde eles fossem, seriam pegos — lembra o major Daniel Coelho, chefe da Agência Central de Inteligência da BM.
Em Cotiporã, onde normalmente um PM vigia a cidade à noite, naquele sábado, são três em serviço — os únicos sem fuzis.
— A missão era observar. Não podiam entrar em confronto com os criminosos. Após a explosão, deram o alerta e, logo em seguida, uma viatura do serviço de inteligência cruzou com os bandidos, iniciando o primeiro confronto — conta Altair.
Quatro PMs deparam com nove criminosos
São 3h15min quando quatro soldados da BM topam com uma Fiat Strada em alta velocidade, com pelo menos sete pessoas seminuas na caçamba. Elem não têm dúvidas: é um dos veículos usados pela quadrilha que acabara de explodir uma fábrica de joias no centro de Cotiporã. E os desafortunados na caminhonete são reféns dos bandidos. Como o encontro acontece?
Não foi sorte, nem azar. Apenas planejamento. Os soldados, dois deles lotados no serviço reservado da BM (P2), em Bento Gonçalves, e dois de uma unidade especializada, sabem que a quadrilha faria o assalto, mas, como os demais colegas, desconhecem o alvo.
O mistério é desfeito com uma ligação, logo após as 2h. Do outro lado da linha, o interlocutor relata as explosões em Cotiporã.
Tiros e mortes na escuridão
Os quatro armam-se com fuzis (um para cada um), pistolas e entram num Vectra com as cores da BM. Deslocam-se a mais de 100 km/h para Cotiporã, situada a 45 quilômetros de onde estão. Numa estrada de chão batido, optam pela prudência. Agem conforme recomenda o bom senso: esperam por reforço. O problema é que os bandidos estão no caminho deles. A quadrilha chega antes da esperada ajuda. Os criminosos surgem velozes pela estradinha, com o Astra à frente, seguido do Audi e do Strada repleta de reféns — sem camisa, com as mãos para cima, apavorados. A caminhonete é conduzida pela proprietária, também rendida pelo bando.
Os brigadianos percebem homens encapuzados, quase ao mesmo tempo em que os bandidos também os identificam — algo fácil, já que a viatura tem as cores da BM. Conforme relato dos policiais, o tiroteio ocorre porque não há outra opção diante dos tiros de fuzil AKM (a cópia chinesa da famosa arma russa AK-47). Vários acertam a viatura. Os PMs revidam com tiros de fuzil Imbel, acertando os dois primeiros veículos. O Astra escapa, perfurado. O Audi para. Os policiais logo descobrem o motivo: acertam em cheio o bandido que dirigia o carro importado (com placas frias, de São Luiz Gonzaga, mas roubado em São Leopoldo). O criminoso (Sérgio Antônio Ritter, que vestia colete à prova de balas e traje tático preto, estilo militar), morre com um único tiro, na altura da nuca. Uma refém, imprensada no carro entre bandidos, consegue fugir.
Com a via bloqueada pelos dois veículos perfurados pelos disparos, o Strada é obrigado a parar. Empoleirados na caçamba, bandidos atiram e ferem dois PMs. Um deles, baleado numa perna e num braço, fica caído na estrada.
Transcorrem preciosos minutos de negociação, aos gritos, com faróis rompendo a escuridão da mata. Os PMs propõem uma trégua, para socorrer colegas, enquanto os bandidos recolheriam Ritter (que estava morto, mas os comparsas ainda não sabem).
O diálogo entre criminosos e soldados é interrompido por novos disparos contra os policiais.
— Algo deu errado. Um dos bandidos morreu ao meu lado. Os estilhaços pegaram na minha mão. Achei que ia morrer...mas não era minha hora — recorda um dos reféns, um comerciante de 21 anos, com lágrimas nos olhos.
Mesmo sem fuzil com lente infravermelha, que propicia visão noturnas, os PMs acertam e matam Elisandro Rodrigo Falcão e Paulo César da Silva. Nenhum refém é atingido. O capitão que comanda as ações na Serra, Juliano Amaral, define da seguinte forma o episódio sangrento:
— A mão de Deus desviou as balas das pessoas de bem.
 
Fonte: Zero Hora